MAIS IMAGENS, MENOS TEXTOS
Fiquei com a “pulga atras da
orelha”, como se dizia na época em que não havia inseticidas tão eficientes como
esses de spray, quando as pulgas dos pets se combatiam com a Erva de Santa Maria,
que resolvi refletir a respeito.
Atualmente a comunicação é feita
por imagens rápidas e por textos curtos, quase sempre orais. Respostas a uma
sociedade sempre apressada.
Ocorreram-me questões que, ao não
saber responder, passo ao leitor. A comunicação humana foi, por longo tempo, apenas
oral e as imagens eram descritas por um emissor e decodificadas pelo receptor
de acordo com suas experiências. A imagem percebida não coincidia,
necessariamente, com a emitida. Assim era e assim continua.
Com a escrita, a situação persiste
e atinge o paroxismo a partir do início do século XV com a criação da imprensa
com os tipos móveis por Gutemberg, o que possibilitou a rápida edição de livros
e documentos. Formar imagens mentais a partir dos relatos orais e escritos têm
sido a prática que guiou a arte e a ciência ao longo dos últimos séculos, tão
frutuosos para a humanidade, como sempre havia sido.
Imagens com movimento surgiram há
120 anos com a cinematografia. No pós-guerra, a TV comercial invadiu lares.
Histórias, romances, notícias passaram a não mais exigir esforço de vê-las na
mente, de recriá-las, elas vinham prontas. A partir dos 90 a internet facilitou
a informação instantânea e precisa. A capacidade de transmitir imagens cresce
exponencialmente.
Pergunto: assim como um músculo
com pouco uso, o cérebro menos exigido para criar imagens verá diminuída essa capacidade?
Sabemos da plasticidade deste órgão de adaptar suas funções e sua própria
fisiologia às demandas a que é submetido. Imagens prontas diminuirão a capacidade
de imaginação para criar romances por exemplo? As artes, em geral, dependem
dessa abstração imaginativa.
Como será nosso futuro com a
comunicação pela imagem pronta, desejo de toda autocracia? Além dos jornais que
assino e dos noticiários da TV, tenho no Facebook algumas preferências, que me
conduzem ao prazer da reflexão. A boa literatura também.
Diariamente leio as postagens do
escritor niteroiense Agenor Magalhães. Conheço seus livros publicados sobre
assuntos variados. Por vezes, ponho-me a elucubrar sobre os temas propostos
pelo autor - política e políticos brasileiros – em tom muitas vezes cáustico. A
partir de seus escritos e com outras informações componho quadros sintéticos sobre
diversas figuras públicas.
Outra leitura frequente que faço
no Facebook são as postagens da psicanalista Jansy Mello, que eu poderia
classificar como escritora ou fotógrafa ou as duas coisas, devido a grande qualidade
dos textos que produz e das fotos que publica, sempre inspirados, de inegável
valor artístico que revelam longas leituras, inteligentes reflexões, estudos,
viagens e vida rica de experiências. Ressalta em seus escritos e imagens o amor
vivido entre ela e Humberto, seu saudoso marido, sempre presente em seus “recuerdos”.
Uma festa de sensibilidade e bom gosto.
Textos fortes, sensíveis, cultos
apoiados em fotos recentes e outras do seu passado familiar desde sua infância
mais precoce. Uma delícia de leitura que recomendo. Procure no Face, pelo seu
nome.
Somente agora estou conhecendo Jansy
e somente pelas postagens. Somos vizinhos há mais de 4 décadas, não trocamos
mais que vinte boas-tardes e bons-dias. Nossas casas não distam mais que 50
metros, nossos filhos foram fortemente companheiros na infância e na juventude.
O último romance de fôlego que li foi a obra em dois volumes
de Rogério de Mello Franco, o Tropeiro de Estrela (1º) e o Tropeiro da
Mantiqueira (2°), obra exemplar no sentido do que pretendo ressaltar nesta
crônica, o risco que corremos de perder a capacidade de formar imagens de
situações, cenários e personagens a partir das leituras. Ao longo das suas 1203
páginas o autor não utiliza um único diálogo, uma única imagem física, sequer
um mapa. Tudo se descreve por uma narrativa rica que conduz o leitor pelos
caminhos da geografia, da história do Brasil e de Portugal, do século XIX e pelas
complexas emoções humanas.
A partir dos anos 60 do século passado, divulgou-se
fartamente técnicas de leitura rápida. Todos as aprendemos. Uso-as em estudos e
em leituras de pouco interesse, ou para ter uma visão prévia do tema a ser
detalhado.
Ao ler um bom romance como o do Tropeiro de duas serras, não
as aplico. Quero que a leitura seja lenta para que as imagens mentais se formem
com cores, cheiros e sons, não exatamente com as que o autor criou, pois isso
não seria possível, mas com as que a minha mente mimetizou a partir das
próprias experiências. Procedendo assim não antecipo clímaces.
Ressalte-se que todas as artes mobilizam estados mentais naquele
que aprecia, de prazer e inquietação, similares às do autor, mas compatíveis
com suas próprias vivências.
Não há como fugir, cada mundo novo vai criando o cérebro que
lhe é próprio.
Crônicas da Madrugada. Danilo Sili Borges. Brasília – Mar.
2022
O autor é membro da
Academia Rotária de Letras do DF. ABROL BRASÍLIA
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