MAIS IMAGENS, MENOS TEXTOS

 



Fui alertado pela jovem senhora que elabora o site da Academia Rotária de Letras do DF, ABROL BRASÍLIA, que deveríamos cuidar da apresentação da ABROL pelo Instagram, hoje preferido pelo público jovem. O Facebook está sendo usado, prioritariamente, pelos mais maduros. Ao lado do Instagram está o TikTok, estrelas da comunicação na internet para as gerações mais novas. A informação vinha de técnica conhecedora do assunto e na faixa etária que lhe permite ver os dois lados das preferências.

Fiquei com a “pulga atras da orelha”, como se dizia na época em que não havia inseticidas tão eficientes como esses de spray, quando as pulgas dos pets se combatiam com a Erva de Santa Maria, que resolvi refletir a respeito.

Atualmente a comunicação é feita por imagens rápidas e por textos curtos, quase sempre orais. Respostas a uma sociedade sempre apressada.

Ocorreram-me questões que, ao não saber responder, passo ao leitor. A comunicação humana foi, por longo tempo, apenas oral e as imagens eram descritas por um emissor e decodificadas pelo receptor de acordo com suas experiências. A imagem percebida não coincidia, necessariamente, com a emitida. Assim era e assim continua.

Com a escrita, a situação persiste e atinge o paroxismo a partir do início do século XV com a criação da imprensa com os tipos móveis por Gutemberg, o que possibilitou a rápida edição de livros e documentos. Formar imagens mentais a partir dos relatos orais e escritos têm sido a prática que guiou a arte e a ciência ao longo dos últimos séculos, tão frutuosos para a humanidade, como sempre havia sido.

Imagens com movimento surgiram há 120 anos com a cinematografia. No pós-guerra, a TV comercial invadiu lares. Histórias, romances, notícias passaram a não mais exigir esforço de vê-las na mente, de recriá-las, elas vinham prontas. A partir dos 90 a internet facilitou a informação instantânea e precisa. A capacidade de transmitir imagens cresce exponencialmente.

Pergunto: assim como um músculo com pouco uso, o cérebro menos exigido para criar imagens verá diminuída essa capacidade? Sabemos da plasticidade deste órgão de adaptar suas funções e sua própria fisiologia às demandas a que é submetido. Imagens prontas diminuirão a capacidade de imaginação para criar romances por exemplo? As artes, em geral, dependem dessa abstração imaginativa.

Como será nosso futuro com a comunicação pela imagem pronta, desejo de toda autocracia? Além dos jornais que assino e dos noticiários da TV, tenho no Facebook algumas preferências, que me conduzem ao prazer da reflexão. A boa literatura também.

Diariamente leio as postagens do escritor niteroiense Agenor Magalhães. Conheço seus livros publicados sobre assuntos variados. Por vezes, ponho-me a elucubrar sobre os temas propostos pelo autor - política e políticos brasileiros – em tom muitas vezes cáustico. A partir de seus escritos e com outras informações componho quadros sintéticos sobre diversas figuras públicas.

Outra leitura frequente que faço no Facebook são as postagens da psicanalista Jansy Mello, que eu poderia classificar como escritora ou fotógrafa ou as duas coisas, devido a grande qualidade dos textos que produz e das fotos que publica, sempre inspirados, de inegável valor artístico que revelam longas leituras, inteligentes reflexões, estudos, viagens e vida rica de experiências. Ressalta em seus escritos e imagens o amor vivido entre ela e Humberto, seu saudoso marido, sempre presente em seus “recuerdos”. Uma festa de sensibilidade e bom gosto.

Textos fortes, sensíveis, cultos apoiados em fotos recentes e outras do seu passado familiar desde sua infância mais precoce. Uma delícia de leitura que recomendo. Procure no Face, pelo seu nome.

Somente agora estou conhecendo Jansy e somente pelas postagens. Somos vizinhos há mais de 4 décadas, não trocamos mais que vinte boas-tardes e bons-dias. Nossas casas não distam mais que 50 metros, nossos filhos foram fortemente companheiros na infância e na juventude.

O último romance de fôlego que li foi a obra em dois volumes de Rogério de Mello Franco, o Tropeiro de Estrela (1º) e o Tropeiro da Mantiqueira (2°), obra exemplar no sentido do que pretendo ressaltar nesta crônica, o risco que corremos de perder a capacidade de formar imagens de situações, cenários e personagens a partir das leituras. Ao longo das suas 1203 páginas o autor não utiliza um único diálogo, uma única imagem física, sequer um mapa. Tudo se descreve por uma narrativa rica que conduz o leitor pelos caminhos da geografia, da história do Brasil e de Portugal, do século XIX e pelas complexas emoções humanas.

A partir dos anos 60 do século passado, divulgou-se fartamente técnicas de leitura rápida. Todos as aprendemos. Uso-as em estudos e em leituras de pouco interesse, ou para ter uma visão prévia do tema a ser detalhado.

Ao ler um bom romance como o do Tropeiro de duas serras, não as aplico. Quero que a leitura seja lenta para que as imagens mentais se formem com cores, cheiros e sons, não exatamente com as que o autor criou, pois isso não seria possível, mas com as que a minha mente mimetizou a partir das próprias experiências. Procedendo assim não antecipo clímaces.

Ressalte-se que todas as artes mobilizam estados mentais naquele que aprecia, de prazer e inquietação, similares às do autor, mas compatíveis com suas próprias vivências.

Não há como fugir, cada mundo novo vai criando o cérebro que lhe é próprio.

Crônicas da Madrugada. Danilo Sili Borges. Brasília – Mar. 2022

danilosiliborges@gmail.com

O autor é membro da Academia Rotária de Letras do DF. ABROL BRASÍLIA


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PETRÓPOLIS, ENGENHARIA, CHORO E SAUDADE

DE RABO DE LEÃO A FOCINHO DE PORCO

SANEAMENTO, AGORA VAI